Nota Institucional DIEPAFRO/NEAB/UFU
Publicado: 23/12/2020 - 18:15
Última modificação: 23/12/2020 - 18:16
Uberlândia, 23 de dezembro de 2020.
A Diretoria de Estudos e Pesquisas Afrorraciais (DIEPAFRO) e o Núcleo de Estudos Afro-brasileiros (NEAB) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) vêm a público, por meio desta nota, manifestar seu posicionamento contra os atos racistas e as ofensas raciais que foram divulgados nas últimas semanas.
Tais casos, como abordaremos em momento oportuno, são sintomáticos da estrutura social brasileira e dos costumes que guiam as ações de cunho racista tomadas por agentes individuais e institucionais. Sendo o último país das Américas a abolir o racismo há pouco mais de um século, o Brasil carrega de maneira latente cicatrizes abertas desse período que determinou a forma como os brasileiros se relacionam entre si e com o resto do mundo.
Ademais, reconhecido internacionalmente por ser o país com a 2ª maior população negra do mundo apenas atrás da Nigéria, país africano, a presença da questão étnica e racial no território brasileiro é inquestionável. A sociedade brasileira percebe a existência do racismo enquanto confere insuficiente atenção ao combate de suas incontáveis manifestações. Especialistas na temática racial como intelectuais, pensadores, pesquisadores e educadores negros e brancos, já abordaram o negacionismo do racismo como um dos principais obstáculos ao desenvolvimento socioeconômico deste país, de modo que a responsabilidade de cada brasileiro, especialmente das autoridades competentes na esfera da Justiça, deve ser trazida à tona com a devida urgência. Feitas tais considerações, passamos para os três casos mais recentes e midiatizados, a partir dos quais testemunhamos rastros do racismo normalizado de maneira estrutural e sofrido coletivamente no Brasil.
O primeiro fato ocorreu em Uberlândia no dia 16 de dezembro de 2020, quando o fotógrafo e motorista de aplicativo Jhonny dos Santos, de 21 anos, recebeu ofensas racistas, vindas de um professor aposentado da UFU. Ao realizar uma corrida no aplicativo, as ofensas acontecerão após Jhonny solicitar que o professor se sentasse no banco traseiro do carro, e colocasse uma máscara, seguindo as recomendações de biossegurança contra o coronavírus.
O segundo caso ocorreu em Caldas Novas-GO, com o uberlandense Luiz Eduardo Bertoldo de apenas 11 anos de idade. O menino, jogador de futebol, recebeu ofensas raciais de Lázaro Caiana, o técnico do time oponente, durante um jogo na cidade. O garoto saiu de campo chorando, mesmo após vitória de seu time, e o acusado das ofensas alegou em sua defesa que: “Nossa equipe tem atletas negros, nossa família também é negra. Então isso é impensável de ter acontecido", frase lamentável e comumente dita como tentativa de justificar a inexistência de casos de racismo.
O caso mais recente de racismo foi o resgate de uma mulher negra mantida há 38 anos pelos patrões suspeitos, na casa da família Milagres Rigueira em Patos de Minas, em condições análogas à escravidão. A senhora Madalena Gordiano trabalhava desde os oito anos na casa da família do professor universitário da UNIPAM Dalton César Milagres Rigueira, tendo sido ilegalmente adotada pela família e impedida de continuar os estudos desde a infância.
Algumas das movimentações e mobilizações nos espaços públicos físicos e virtuais, como o assassinato por funcionários contratados por uma unidade do Carrefour no Rio Grande do Sul, não se restringem a acontecimentos em regiões longínquas da realidade em que cada uma das pessoas que lê este documento se encontra. O fato é que alguns casos são escamoteados por negligência e/ou por desinteresse por uma pauta que afeta negativamente o conjunto da sociedade brasileira, deixando para trás principalmente aqueles mais desamparados pelo Estado: pessoas marginalizadas, em sua grande maioria negros e indígenas. O hábito de se perpetuar estereótipos e estruturas que prejudicam aos negros, prejudicam, na verdade, a quase 54% da população brasileira.
Os ocorridos comprovam que o racismo é recorrente e estrutural, permeando todos os ambientes, e um reflexo da estrutura social brasileira, sendo reproduzido com tranquilidade através de ações discriminatórias em uma cultura racista que nega sua existência. O trauma vivenciado afeta todos, vítimas e familiares têm medo de passar por situações parecidas novamente, e têm medo pelas outras pessoas. As vítimas de racismo e injúria racial necessitam de acolhimento e, em muitos casos, acompanhamento psicológico.
Nenhum ato racista pode ser justificado, aceito ou minimizado. É de responsabilidade de todos lutar e questionar todas as formas de opressão contra a população negra. Por isso, nos solidarizamos com todas as vítimas e familiares de atos racistas e reforçamos a importância de não permanecermos calados e denunciarmos tais ocorridos a partir do olhar racializado com o qual este país tem sido edificado.